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Travessia da Serra Fina em 2 Dias

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Um dos finais de semana mais intensos da minha vida por uma das travessias mais famosas do Brasil

RESUMO

No presente relato encontrará tudo o que precisa saber para realizar a Travessia da Serra Fina a partir de Passa Quatro/MG. A trilha percorre a crista da Serra da Mantiqueira e o cenário de montanhas é lindo por todo o trajeto. São 31 km de sobe e desce incessante de morros, normalmente caminhados em 4 dias, mas que aqui encontrará as informações detalhadas para que possa planejar a sua aventura em 2 dias. Também estão listados os prós e contras de se fazer em 2 dias, o que levar para a travessia, quando ir, gastos totais e, claro, a descrição completa da minha experiência.

INTRO

Em maio/2013 eu fiz a travessia da Serra Fina em 4 dias e foi um perrengue só.

Fui com 3 amigos e na ocasião a gente penou pra completar. O resultado da viagem não foi muito animador e nem conseguimos curtir direito devido ao mal tempo, ao excessivo peso das mochilas (± 20 kg), ao despreparo físico, à escassez de água no caminho e ao sobe e desce infinito da trilha.

Em junho/2016, meu parceiro de escalada Rodrigo, o qual nunca tinha feito esta travessia, me chamou para fazê-la, mas com um pequeno detalhe: ir num final de semana normal!

Pra quem já fez a travessia e não é nenhum herói da montanha, sabe que completar esta travessia em 2 dias é um desafio considerável.

Alertei sobre o Rodrigão das dificuldades que encontraríamos e que seria o trekking mais insano da vida dele, mas ainda assim ele me convenceu hahah.

Muito bem. Pra quem não sabe a Serra Fina divide os estados SP e MG até encontrar o estado do RJ e depois segue para norte pela divisa entre MG e RJ.

Na travessia se encontra a famigerada Pedra da Mina, quarto ponto mais alto do Brasil com seus 2.798 msnm e o mais alto da Serra da Mantiqueira. Outro destaque da serra é o Pico dos 3 Estados, que, como o nome sugere, tem seu cume marcado pelo encontro dos estados SP, MG e RJ.

Apesar destes picos de maior fama, o que chama mais atenção na travessia é o impressionante panorama variado de morros e paredões e o incessante sobe e desce de picos por estar caminhando sempre na crista da serra (ficará com saudades de andar no plano!). Além disso, a todo tempo também se vê o panorama incrível da paisagem no entorno da Serra da Mantiqueira.

Roteiro

A famosa travessia se inicia em Passa Quatro/MG e termina na Rodovia BR-354 a 3 km da entrada da parte alta do Parque Nacional de Itatiaia.


ROTEIRO RESUMIDO

Sexta (19/06/2016):

  • Ida até a Rodoviária do Tietê
  • Entrada no ônibus das 23:15

Sábado (20/06/2016):

  • Chegada em Passa Quatro às 3:40
  • Encontro Edinho e Claudinho e deslocamento para o início da trilha
  • Início do trekking às 05:30
  • 11 horas de caminhada até a Pedra da Mina passando pelo Pico Capim Amarelo, totalizando 13,5 km caminhados, 1.940 m de subida e 670 de descida
  • Montamos acampamento, “jantamos” e fomos dormir às 20:30

Domingo (21/06/2016):

  • Acordamos às 05, assistimos o nascer do sol e saímos às 6:30
  • 11 horas de caminhada até o final da trilha passando pelo Pico dos Três Estados, totalizando 17,5 km andados, descida acumulada de 1.930 m e subida de 740 m
  • Chegada em Passa Quatro às 18:30 e adiantamento das passagens para São Paulo
  • Chegada no Tietê às 23:00 e em casa à 00:00 para dormir bem e trabalhar zerado no dia seguinte

O tracklog do trajeto se encontra neste link.


PROGRAMAÇÃO

Esta é mais uma viagem simples de se planejar, porém não muito barata devido ao transporte e da logística complicada.

A primeira coisa a fazer é arranjar um amigo loco. Se você for sozinho a viagem vai ficar mais cara ainda e se for com mais de 3 pessoas, tenha certeza que todas possuam o mesmo ritmo de caminhada, já que grupos grandes tendem a prosseguir com menos foco e velocidade (Sei que o mais importante é desfrutar da natureza e das lindas paisagens, mas aqui é preciso seguir firme no passo. Não se preocupe, é possível curtir o visual nas paradas para descanso).

Depois compre passagens para Passa Quatro. Existem vários horários saindo da rodoviária do Tietê em São Paulo. Quem faz o trajeto é a Viação Cometa ao preço de R$ 120 ida e volta por pessoa. Há duas opções de logística para o trajeto de ida:

  • Se você preferir chegar na cidade no mesmo dia e dormir em algum hotel, há vários horários de ônibus até as 19:30 na sexta-feira à noite;
  • Depois deste horário o próximo é o das 23:15. Se quiser chegar de madrugada de sexta para sábado e já ir direto pra trilha (como nós fizemos), então pegue este bus.

Para a volta, decidir o horário é mais complicado, pois vai depender do seu desempenho na trilha. Seguem opções:

  • É preferível pegar o ônibus das 18:30 no domingo para conseguir chegar em casa e dormir bem. Mas isso caso consiga completar a trilha até às 17:00.
  • O próximo será só segunda de madrugada a partir da 01. Nós compramos o ônibus da 01:10 pois estávamos com medo de não completar a tempo. Mas lembre-se que se tiver vaga no ônibus das 18:30 é possível adiantar a passagem.

Além de fechar o ônibus de ida e volta pra Passa Quatro é preciso combinar com algum local o traslado da cidade para o início da travessia e do fim da trilha de volta para Passa Quatro.

Fechamos com o Edinho, que nos cobrou R$ 300 mas barganhamos para 250. Não passarei o seu contato pois ele esqueceu da gente e se não tivéssemos o encontrado por acaso teríamos ficado sem auxílio na madrugada em Passa quatro. Contarei mais detalhes no relato. Outros locais que fazem resgate:

  • Antônio – (35) 9119.1373
  • Manoel – (35) 99122.1227

Pronto, agora só restava comprar rango para 2 cafés-da-manhã, 2 almoços e 1 janta e 4 litros de água.


O QUE LEVAR?

Viagem totalmente programada, porém ainda é necessário se atentar para um detalhe fundamental para garantir o sucesso dessa viagem: o peso da mala.

Todo mundo sabe a influência que o peso da mochila faz, mas nesta viagem este conceito tomou uma forma mais concreta porque eu já tinha feito esta travessia em 4 dias com mais de 20 kgs nas costas. Para fazer em 2 dias objetivei carregar 10 e para ter sucesso nessa meta é preciso superar alguns confortos.

Como o frio no topo da Pedra da Mina não brinca em serviço, o grosso dos equipamentos visa trazer calor e abrigo durante o sono. O restante é basicamente água e rango. Vamos à lista de itens:

No corpo:

  • Uma cueca ou calcinha confortável
  • Um par de meias grossas
  • Uma camiseta de manga comprida
  • Uma calça pra trekking
  • Um par de botas pra trekking
  • Um par de luvas
  • Um boné/chapéu

Nas costas:

  • Mochila semi-cargueira de 45 L
  • Barraca de 2,2 kgs pra duas pessoas com aperto (economize peso e ganhe calor humano)
  • Saco de dormir pra -9ºC conforto. Mas não precisa ser tanto. Um 0ºC já atende… Vai depender do seu potencial de sentir frio
  • Isolante. Recomendável inflável ou auto-inflavel
  • Segunda pele camiseta e calça
  • Blusa de fleece. Os mais friorentos podem levar calça de fleece também
  • Travesseiro inflável
  • Lanterna
  • 3 L de água
  • Purificador de água (Hidrosteril ou Clor-In)
  • Comida fria (basicamente rap10 e barra de cereal). Poupe peso de panelas. É só uma noite mesmo.

Se for fazer em 4 dias recomendo que leve o mesmo que o listado acima, sendo as únicas diferenças levar 2 cuecas/calcinhas, 2 pares de meia, 2 camisetas, 5 litros de água e o dobro de comida, claro.


2 DIAS VS 4 DIAS

Prós de realizar a travessia em 2 dias:

  • Dá pra fazer em qualquer final de semana, o que evita pegar acampamentos lotados. Nos feriados de 4 dias há grandes chances de não encontrar espaço para dormir onde havia planejado;
  • Leva-se muito menos peso e, portanto, incomoda menos as costas e os ombros;
  • Não precisa racionar água pois há como abastecer uma vez no início e no fim de cada dia; e
  • A caminhada flui melhor pois você estará com menos peso e, portanto, descer e subir mil morros se torna muito mais fácil.

Contras de realizar em 2 dias:

  • Logística complicada e mais corrida se realizado em 1 fds normal (terá que caminhar 11 horas ininterruptas depois de dormir menos de 4 horas no ônibus);
  • Menos tempo para contemplação da paisagem e para descansar;
  • Extremo ganho e perda de desnível em apenas 2 dias, causando excesso de esforço no joelho;
  • Exige mais preparo que em 4 dias, afinal você sobe um acumulado de 2 k no primeiro dia e desce 2 k no segundo. Não é moleza.

Eu, particularmente, achei mais compensador fazer em 2 dias. Além de ser um fim de semana inesquecível, você leva muito menos peso e caminhar se torna muito mais fácil. E racionar água é bem chato tb… Quando fiz em 4 dias tive que racionar muito.

Lembro que quando fui a segunda vez olhava pra umas pirambas e pensava “caraca, essa foi difícil de subir”. E de repente eu chegava no topo com uma facilidade sem comparação.

Só que se resolver fazer em 2 dias, você vai ficar mais quebrado depois, não tem jeito.

Mas lembre-se. A Serra Fina é uma das travessias mais difíceis do Brasil. Tanto em 2 quanto em 4 dias, o desafio não será tranquilo.


QUANDO IR

Vá no outono ou no inverno pois o risco de chuvas é bem menor. As duas vezes que fiz a travessia fui em junho.

Se for fazer em 4 dias vá no feriado de Corpus Christi, mas lembre-se que é a época do ano com mais turistas. Certifique-se de sair pra caminhar antes das 07:00 pra não ficar sem área pra montar a barraca caso faça questão de acampar nos cumes.


AGÊNCIAS

Contrate os serviços de uma agência se não tiver conhecimentos plenos de como se usar um GPS ou um app de GPS no celular. Seguem contatos de algumas renomadas agências que realizam a Travessia da Serra Fina em 4 dias:


GASTOS SE REALIZADA EM 2 DIAS

  • Ônibus Ida e Volta São Paulo -> Passa Quatro = R$ 120,00
  • Comida pra trilha = R$ 50,00
  • Resgate = R$ 250,00 para duas pessoas = R$ 125,00
  • Salgado Graal e Esfiha em Passa Quatro = R$ 15,00

GASTOS TOTAIS POR PESSOA (2016) = R$ 310,00


RELATO DA TRAVESSIA EM 2 DIAS

Sexta – São Paulo a Passa Quatro

Numa sexta-feira normal, saí do trabalho e fui pra casa fazer as malas para realizar (ou ao menos tentar) a Travessia da Serra Fina em 2 dias.

Fui para a Rodoviária do Tietê onde encontrei meu grande amigo Rodrigo. Embarcamos no ônibus das 23:15 para esta aventura tensa.

Foi engraçado ver nosso nível de tensão de medo da trilha hahah

A Serra Fina é famosa por suas dificuldades e encarar fazê-la em 2 dias era um desafio que desconhecíamos.

Não conseguimos dormir direito no busão, o que nos preocupou pois queríamos estar descansados para encarar possíveis 12 horas incessantes de caminhada.


Sábado – Toca do Lobo à Pedra da Mina

Às 3:40 da manhã fomos dropados no meio da escuridão de Passa Quatro e logo de início as coisas não aconteceram como desejado.

Nosso contato era o Edinho, um senhor boa gente mas bem atrapalhado.

Tentamos ligar pra ele e não tivemos sucesso. Saímos da rodoviária a sua procura, mas não conseguíamos achá-lo.

Ficamos meia hora meio perdidos procurando por ele. Conversamos com locais e outros turistas que estavam lá pra subir a Pedra da Mina pelo Paiolinho (trilha alternativa mais curta) até que finalmente o encontramos, por pura sorte.

Mas ainda teve um pequeno detalhe. Ele não lembrava que o Rodrigo tinha ligado pra ele e combinado o traslado para a Toca do Lobo.

Ele já estava com um grupo pronto pra sair pro Paiolinho e nos abandonar lá.

Ele pediu para que ligássemos para o Claudinho, que trabalha com ele, pra ver se ele podia nos levar. Depois de muitas tentativas deu certo.

Enquanto o pressionávamos para que não nos abandonasse na cidade, o grupo que estava com ele ficou acelerando para saírem logo.

Mas o Edinho não nos deixou… por pouco. Ele nos levou à sua casa, onde o Claudinho apareceu para nos buscar.

Após este ligeiro atraso de 1 hora, chegamos no início da trilha às 5:30 da manhã e combinamos com o Claudinho para nos resgatar no fim da travessia às 17 do dia seguinte.

Uhul!

Pegamos as lanternas e finalmente começamos a caminhar.

Após a logística complicada, agora seguiríamos pela rota tradicional, visando atingir a Pedra da Mina passando pelo Capim Amarelo.

Os primeiros 1,5 km de trilha são bem fáceis até o primeiro ponto d’água do dia, a Toca do Lobo. Abasteça generosamente (eu peguei 4L) pois o próximo será só no fim do dia nos pés da Pedra da Mina.

Pronto. Agora pode dizer adeus aos terrenos planos. Começará neste instante o infinito sobe e desce de pirambas serrafinescas.

A primeira metade deste dia, ou o primeiro dia para quem faz a travessia em 4, é praticamente só subida.

O caminho para o topo do morro do Capim Amarelo configura a maior subida constante da travessia, mas não por isso é o trecho mais difícil.

Após abastecer seus cantis atravesse o rio e encontrará uma trilha bem inclinada e complicada numa porção de mata atlântica vistosa.

Em 5 minutos esta mata acaba e você passará a caminhar por uma subida mais suave com uma vegetação rasteira, bem típica da Serra Fina.

Neste momento o dia já estava claro e o sol nascia atrás das montanhas, dando tons avermelhados para o céu.

Amanhecer na trilha
Amanhecer na trilha

Aqui também já se avista o cume do Capim Amarelo, que ainda estava sombreado.

Seguindo na trilha, a 1,3 km do rio se encontra uma boa área de camping e um ponto d’água magrinho que nem paramos pra abastecer.

A subida continua por 600 metros até atingir o cume de um morro que revela um dos cenários mais belos e clássicos da travessia.

É a primeira amostra do visual da Serra Fina. O Capim Amarelo aparece como a mais alta das montanhas de uma bela sequência de morros e paredões de rocha.

Pra completar o visual é possível observar certinho a crista em que a trilha segue até o cume do Capim Amarelo.

Eu e o Capim Amarelo
Eu e o Capim Amarelo

E seguimos nela. Desce-se alguns metros e depois começa a investida para o cume.

Esta subida alterna passagens de escalaminhada em mata fechada com trechos densos de capim amarelo, um capim bem alto onde você passa a se orientar por fitas amarradas em árvores.

Antes de chegar no cume existem algumas áreas boas para acampar.

Já bem próximo do topo há uns trechos bem inclinados, onde inclusive tem umas cordas instaladas para facilitar a vida.

O Capim Amarelo
Próximo ao cume do Capim Amarelo

Chegamos no topo do Capim Amarelo às 9:00, tendo sido andados 6,0 km e subidos 1.000 m de desnível em 3:30, tempo inviável pra quem faz a travessia com muito peso. Aliás, em 2013, fiz este mesmo trecho em 7 horas!!

Quando alcançamos o cume notei que um dos meus sticks, que estavam presos à mala, havia se soltado devido ao grande número de galhos que enroscavam na mochila. Perdi meia hora pra descer e subir de novo. Ao menos encontrei o danado.

Fizemos um lanche e contemplamos a incrível vista 360 por uma meia hora.

Vista do Topo do Capim Amarelo
Vista de Cruzeiro/SP do topo do Capim Amarelo

Do cume do Capim Amarelo se tem o primeiro contato com a Pedra da Mina láaaa ao fundo.

Neste momento notamos que ainda tínhamos bastante pra subir. Estávamos na cota 2.480 msnm e enfrentaríamos muito sobe e desce até o ponto mais alto do trekking.

Uma coisa que adoro em travessias é poder visualizar o caminho percorrido e o que será andado. E a Serra Fina é perfeita pra isso!

E seguimos adiante. A trilha continua por uma descida de bambuzal do outro lado do morro. Após a descida, subimos um outro morrão que apresenta belas vistas do Capim Amarelo e do vale entre os dois.

Caminhando na crista da Serra Fina
Rodrigão, o Capim Amarelo e um lindo vale

Continuamos a subir até chegar no pé de um morro alongado. Neste ponto já havíamos caminhado 2,4 km do Capim Amarelo.

Daqui há um incrível mirante, do qual se vê o Capim Amarelo de um lado e a Pedra da Mina, agora já mais próxima, como mostra a figura abaixo.

Pedra da Mina ao fundo
Caminho segue pela crista à esquerda. Pedra da Mina ao fundo e Pico do Tartarugão à direita

Seguindo na trilha verás que uma passagem bem inclinada te aguarda. A subida daquele morro é um trepa pedra um pouco exposto, porém divertido.

Após chegar no topo a trilha segue na sua crista e se estende por 1,2 km d distância.

Depois desta passagem o caminho é uma alternância de descida com trechos aplainados por 1,7 km até o pé da Pedra da Mina, onde se encontra um ponto d’água generoso e uma boa área de camping.

Pra finalizar a jornada deste dia infinito encaramos o quilômetro final que visava alcançar o cume da famosa Pedra da Mina.

Aqui o cansaço era real e as dores nas articulações estavam generalizadas.

Do ponto de água até o cume da Mina há um desnível de 300 m. A subida é bem bonita e vale a pena sempre olhar pra trás pra acompanhar a diferença da paisagem enquanto sobe.

A Pedra da Mina
Investida final para o Cume da Pedra da Mina

Finalmente, às 16:30, chegamos no ponto mais alto da Serra da Mantiqueira e 4ª montanha mais alta do Brasil.

A Pedra da Mina, com seus 2.798 msnm, possui um topo grande com espaço pra muitas barracas, mas que já estava quase lotado. São muitas as pessoas que sobem pelo Paiolinho num belo fim de semana de inverno.

Arrumamos um bom canto para a barraca e montamos acampamento. Estava um frio danado. Os dedos ameaçavam congelar.

Já instalados fomos contemplar a paisagem e o pôr-do-sol, que obviamente seriam lindos. O que não era óbvio foi a sombra da Pedra da Mina, se estendendo por dezenas de quilômetros em direção ao horizonte. Surreal.

Sombra da Pedra da Mina
Vista da sombra da Pedra da Mina!

Estar no topo da Pedra da Mina é uma sensação fabulosa. Dá pra ver o trajeto do Capim Amarelo até o Pico dos 3 Estados, além de algumas cidades do Vale do Paraíba. Surge também a incrível Serra de Itatiaia e o Pico das Agulhas Negras todo pomposo.

Pôr-do-sol da Pedra da Mina
Rodrigão contemplando o pôr-do-sol da Pedra da Mina

Fizemos um rango frio de rap10 com peito de peru e fomos dormir.

A friaca estava forte mas conseguimos dormir bem e descansar 10 horas para recuperar as energias deste primeiro dia tão desgastante que totalizou 13 km caminhados em montanha, além de 1.930 m de desnível subidos e 740 descidos. Tenso!!

Pensamos em bivacar esta noite, mas li histórias de ratos que habitam a Pedra da Mina e curtem roer barracas atrás de comida. Quem sabe em outra oportunidade?

Estávamos extasiados com o dia que tivemos. Superamos nossos limites físicos, contemplamos visuais fantásticos e sabíamos que completaríamos a travessia em 2 dias. Não seria fácil, mas o medo estava menor.

E fomos deitar às 20:30.


Domingo – Pedra da Mina a São Paulo

Eu e Rodrigão acordamos às 5:30 e aprontamos as coisas para sair, enquanto o sol já começava a dar as caras.

O sol nasceu atrás do Itatiaia e não mostrou seu potencial avermelhador, mas não por isso o dia estava menos bonito, já que havia um fantástico tapete de nuvens no lado paulista da serra.

Amanhecer na Pedra da Mina
Friaca do amanhecer e o belo cobertor de nuvens

Começamos a caminhada às 06:30. A descida para o Vale do Ruah revela o cenário que acredito ser o mais belo da travessia, se é que é possível rankear.

O Ruah é uma área plana, talvez a única do topo da serra, rodeada por belos e peculiares morros.

Descida da Pedra da Mina
Rodrigão curtindo a vista do Vale do Ruah

Em menos de 30 minutos descemos até a base do outro lado da Pedra da Mina e passamos a caminhar no interior do vale.

O Vale do Ruah parece outro mundo dentro daquele mar de morros e paredões.

A extensa área plana é dominada por um capim amarelo que pode chegar a 2 m de altura e torna a navegação dentro do vale complicada. Será comum você perder a trilha, mas não se preocupe porque mais abaixo te darei as orientações.

Há também algumas áreas alagadas então cuidado para não molhar as botas.

O Vale do Ruah possui diversas áreas pra acampar, mas eu não faria isso pois o vale é extremamente frio. Pra se ter uma ideia todos os capins estavam congelados e andar encostando neles nos deixou encharcados.

Gelo
Capim congelado

Siga os passos para se orientar no Ruah:

  • Ao descer da Pedra da Mina olhe pra frente e verá dois morros à sua frente e um rio correndo entre eles. Esta é o sentido que tem que ir.
  • Após uns 400 m chegará na porção mais estreita do vale e verá um belo rio com algumas cachoeirinhas e poços bons pra tomar banho.
Vale do Ruah
O Ruah. Riozinho está correndo à esquerda do Rodrigo
  • Daqui siga acompanhando o rio por 500 m até visualizar um outro morro à frente (que também aparece na foto acima). Este é o último ponto de água até perto do final da trilha. Abasteça.
  • Comece a andar no sentido do novo morro e encontre trilhas que tornam para a direita se afastando do rio. Essa é a parte mais difícil pois o mato estará bem alto e perderá a referência do rio.
  • Em poucos minutos começará a subir e verá fitas amarradas em pequenas árvores que se destacam naquele mar de capins. Tente se orientar por estas árvores, apesar de não ser fácil. Apenas lembre de não acompanhar o rio, que parece ser o caminho mais intuitivo.

Logo estará aliviado que o capinzal passou, mas ainda terá uma subida longa até o topo do morro, ao menos agora com trilha batida.

O Vale do Ruah e a Pedra da Mina
Vista do Vale do Ruah e da Pedra da Mina

Ao atingir o topo deste morro, você terá andado 2,6 km desde a Pedra da Mina. Aqui surge também uma vista mais próxima do Pico dos 3 Estados e de outro belo morro a direita, o Pico Cabeça de Touro

Agora vem uma descida longa por um bambuzal e uma mata complicados de caminhar.

Após a descida você passa a andar numa crista entre 2 vales.

O vale da direita é mais um dos lindos cenários da Serra Fina. Ele é bem fundo e cheio de imensos paredões de pedra.

Vista para o Pico Cabeça de Touro
Rodrigão, Pico Cabeça de Touro e belíssimo vale

Depois, você subirá um morrinho e descerá para a esquerda até alcançar o pé do Pico dos 3 Estados, onde tem uma vasta área pra barracas.

Nessa hora começamos a ouvir vozes vindo de trás e eu o Rodrigo indagamos “Po, a gente ta voando pra fazer o rolê em 2 dias. Como que tão mais rápido?” hahah

E partimos pra subida dos 3 Estados.

Ela alterna trechos de capim amarelo com mata fechada, assim como o morro do Capim Amarelo. Os últimos metros são bem inclinados. No total a subida soma um desnível de 200 m.

O Pico dos 3 Estados
O Pico dos 3 Estados

Chegamos no cume do Pico dos 3 Estados às 11:30, mesmo momento que o grupo de atletas nos encontrou.

Eles contaram que são maratonistas de montanha e estavam fazendo a trilha em 1 dia!! Iniciaram às 2 da manhã na Toca do Lobo e pretendiam chegar ao final antes das 14:00. Bem tranquilo hahah.

Da Pedra da Mina até os 3 Estados percorre-se 6,4 km, e há um desnivel acumulado de 489 metros de subida e 614 m de descida.

No topo do pico há um marco que indica o ponto tríplice entre os estados de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.

SerraFina19_No-Topo-do-Pico-dos-3-Estados
Rodrigão e o ponto tríplice do cume dos 3 Estados. Pode-se ver a Serra de Itatiaia ao fundo

Há também espaço pra várias barracas, mas que lotam rapidinho na alta temporada, então fique esperto com os horários.

O Pico dos 3 Estados possui 2.665 msnm e está entre os 15 picos mais altos do Brasil.

O Agulhas Negras e a Pedra do Picu aparecem bem próximos agora e dá pra ver morros e cristas por todos os lados, inclusive a Pedra da Mina.

Descansamos um pouco e seguimos adiante.

Após o pico a trilha segue com uma predominância de descidas inclinadas, com apenas algumas subidas mais curtas, porém mais técnicas e com trechos de trepa pedra. A descida exige muito dos joelhos. Vá com cautela.

Trechos complicados
Trecho final é de predominância de descidas, mas há subidas bem inclinadas

O caminho segue visando alcançar o Morro Alto dos Ivos, que é um ponto que pega sinal de telefone. Uma boa oportunidade pra conversar com o Edinho caso tenha acontecido algum imprevisto e você quiser alterar o horário do resgate.

Serra de Itatiaia
Vista da Serra de Itatiaia dos Ivos

Após 4 km distante do topo dos 3 Estados o caminho fecha. Aproveite pra se despedir da travessia 🙂

Pedra do Picu
Pedra do Picu e o último panorama antes de iniciar caminhada em mata fechada

Voltamos a caminhar na mata atlântica e o caminho se torna confuso no começo. Há uma bifurcação pouco depois de entrar na mata que deve pegar à direita. Nós descemos pra esquerda e foi bem complicado, apesar que também chegamos. Mas logo que passa esse trecho confuso, a trilha fica bem batida. Os 3 km finais não apresentam dificuldades e seguem quase que em linha reta até o Sítio do Pierre, ponto que marca o fim do trekking e início de uma estrada de terra.

Mesmo que este trecho final não apresente dificuldade técnica nenhuma, foi um dos momentos mais tensos do trekking todo. Isso porque o corpo pediu arrego. Meu joelho tava travado e o Rodrigo tava cheio de dores musculares.

Pra piorar estávamos atrasados e achamos que não chegaríamos no horário combinado. Então, mesmo com as dores e cansaço, aceleramos o passo.

A 1,4 km do Sítio do Pierre há um último ponto de água, não muito generoso.

Chegamos às 17:10 no Pierre e ficamos na dúvida se esperaríamos o Claudinho ali ou na porteira, que fica a 2,7 km dali já bem próximo à rodovia BR-354.

Sítio do Pierre
Sítio do Pierre

Mal começamos a andar até a porteira e ele chegou pra nos buscar. Ele nos deu uma bronca porque o combinado era lá embaixo na porteira, mas não lembrávamos.

Só quando entramos no carro do Claudinho relaxamos e demos conta do que tínhamos acabado de realizar. A Travessia da Serra Fina em 2 dias acabava de virar passado… Visualize: 2670 m de desnível subidos e 2600 m descidos em 2 dias. Primeira vez na vida que enfrentei tanto desnível em tão pouco tempo!

Enquanto conversávamos sobre nossa façanha o Claudinho dirigia alucinado dizendo que precisava chegar logo em Passa Quatro. Sério. Ele fez tudo que não gosto em um motorista.

Finalmente, às 18:00, ele nos deixou na rodoviária de Passa Quatro.

Lembra que pensando em um possível imprevisto compramos as passagens para retornar pra São Paulo à 1:10?

Então. Como chegamos cedo, perguntamos na rodoviária se havia algum ônibus pra São Paulo e pra nossa master sorte tinha um último bus com saída para às 18:30. Depois desse só de madrugada.

O único porém é que estávamos famintos. Tínhamos idealizado uma pizza pra finalizar a trip, mas o ônibus já ia sair.

Bom. Ele atrasou.

E aconteceu um episódio muito interessante pra finalizar a viagem.

Como o ônibus atrasou saí correndo pela cidade à procura de comida, mas sempre mantendo um olho na rodoviária.

Achei uma esfiharia e perguntei pra moça do restaurante se estava aberto, mas não tava.

Expliquei a situação do ônibus e ela me sugeriu o seguinte:

– “Enquanto eu faço uns kibes vai lá esperar seu ônibus. Depois que eu preparar, mando alguém para entregar na rodoviária. Se por acaso o ônibus chegar, pode ir embora.”

Então voltei pra rodoviária e poucos minutos depois o ônibus chegou.

E nada da moça.

Colocamos as malas e entramos no bus.

E nada da moça.

Já perdendo as esperanças, o motorista deu a partida. E foi quando uma pessoa de avental branco veio correndo de longe com uma sacola na mão.

Eu e Rodrigão rimos muito. Demos a grana e pegamos os kibões (qual o plural do aumentativo de kibe?).

A humanidade tem salvação ahaha.

E seguimos pra Sampa.

Chegamos na Rodoviária do Tietê às 23:00 e em casa às 00:00. Tomei um banho e fui dormir para trabalhar no dia seguinte.

E assim terminou essa aventura inesquecível.

Tudo em apenas um final de semana comum :))

Não deixe de conhecer a Serra Fina se você gosta de um bom trekking, seja em 1, 2, 4 ou 6 dias. Afinal o que realmente conta é estar no meio de lindas montanhas e vales e desfrutar um pouco da natureza.

Beijos e abraços!

;)

Obrigado pela leitura!

  1. ROBSON GONCALVES DE ANDRADE ROBSON GONCALVES DE ANDRADE

    Muito bom, parabéns, estarei indo dia 11 de maio, seus relatos serão de agrande ajuda. obrigado por compartilhar

    • VictorPrates VictorPrates

      Obrigado, amigo. Qualquer dúvida é só perguntar!

  2. Rodrigão Rodrigão

    Esse pico foi incrível. Quero voltar. Vc foi o melhor guia Victao. Valeu mano!!

    • VictorPrates VictorPrates

      irmãozinho do coração! Esqueci de responder esse hahahah! Valeu ma bro! Sua companhia foi a melhor!

  3. Bárbara Bárbara

    Olá.

    Sou novata nesse mundo. Gostaria de fazer essa travessia.
    Dá para realizar sem guia ?

    Só com auxilio de GPS ?

    • VictorPrates VictorPrates

      Olá Bárbara, tudo bem? É possível fazer sem guia sim. Mas é indispensável o uso de um GPS, porque há algumas partes em que é fácil de se perder, principalmente o Vale do Ruah, após a descida da Pedra da Mina. E é preciso estar com ótimo preparo físico. Aproveite!

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